Libaneses no Brasil: convidados de D. Pedro II

Mas estas relações são muito longínquas para serem consideradas aqui.

O Imperador montado num camelo em sua visita ao Oriente

As visitas de D. Pedro II ao oriente foram importantes para que o Brasil viesse a se tornar um importante destino de emigrantes árabes, particularmente libaneses. O monarca era um estudioso da história e das línguas daquela região e suas viagens estão descritas com detalhes pelo pesquisador Roberto Khatlab.

As mais remotas conexões entre o Oriente e o Brasil estão embutidas nos costumes e conhecimentos retransmitidos pelos colonizadores ibéricos; a língua, particulamente, contém muitas palavras derivadas do árabe. Mais remotamente ainda, o próprio descobrimento foi resultado dos conhecimentos de navegação obtidos nos contatos entre cruzados e árabes. Mas estas relações são muito longinquas para serem consideradas aqui.

As palestras e reuniões feitas pelo Imperador em 1871 e 1876 motivaram Nami Jafet e seu irmão Benjamin, importantes pioneiros e líderes da migração libanesa. Benjamin aportou no Rio de Janeiro em 1887, seguido pelo irmão Basílio no ano seguinte e Nami em 1893. Não havia um programa ou acordo entre governos, tratava-se de emigração espontânea; isto explica porquê os árabes se dirigiram preferencialmente ao comércio, e não à lavoura, como aconteceu com europeus e japoneses. Depois de passarem pelo Rio de Janeiro, os Jafet se estabeleceram como esteio da colônia na capital paulista desde os anos 1890 até meados do seculo 20, mostrando liderança e capacidade empresarial; por outro lado, conservaram sempre seus vínculos com o país de origem. Entre os Daher de Ipameri, o quinto e último dos filhos de Calixto Miguel, Sahid, foi quem teve maiores contatos com os Jafet; foi colega de escola de Raphael Jafet, que viria a ser empresário na hotelaria e construção civil, e atuou como representante comercial de empresas dos Jafet.

Os irmãos Jafet e sua mãe, pioneiros e incentivadores da colônia árabe no Brasil. A influência deles em São Paulo foi profunda, pois atuaram no comércio, na indústria, nas finanças, foram responsáveis pela urbanização do bairro do Ipiranga, comandaram a criação do Hospital Sírio-Libanês e do Clube Monte Lìbano, e chegaram à política.

A família Jafet não constitui um exemplo típico do imigrante árabe: oriundos do Monte Líbano – região privilegiada pelo clima e famosa por abrigar a elite da população – tinham boas condições materiais, prestígio social e alta escolaridade; o próprio Nami abandonou um posto como professor universitário ao sair de sua terra. Talvez mesmo em consequência disso, as estratégias de negócios adotadas pelos Jafet converteram-nos em modelos para seus conterrâneos.

Tudo isso certamente influenciou os irmãos Calixto e Elias Miguel Daher no período que viveram em São Paulo, durante os anos 1920. Também explica que eles tentassem replicar esse modelo no limitado ambiente de Ipameri.

Ao contrário da família Jafet, os Daher vinham de uma região pobre, próxima à atual fronteira entre Síria e Líbano, onde as oportunidades de progresso material e cultural eram limitadas. Entretanto, mais que pelas condições materiais, a decisão de deixarem a aldeia de Cheikh Taba resultou de questões culturais e políticas, pois a dominação turca sobre a região tinha duas consequências gravíssimas: a repressão religiosa ao cristianismo e a convocação dos homens jovens para as guerras; esta situação finalmente desembocou na Guerra Mundial de 1914-1918, que vitimou Habib, um dos irmãos de Elias Miguel.

Após a guerra de 1914 a 1918 e a queda do domínio turco, Síria e Líbano se tornaram países separados, ambos sob o mandato da França em nome da Liga das Nações. Assim, os Daher residentes no Brasil alcançaram, finalmente, a cidadania libanesa correspondente ao seu local de nascimento. Mais tarde, cumpridas as exigências legais, se tornariam brasileiros naturalizados.

Por tudo isso é importante considerar que buscavam no Brasil não só melhores condições materiais, mas também liberdade e paz, objetivos que dependem de atitudes, mais que de condições financeiras. Essa postura é o fator que une grupos tão diferentes quanto os Jafet do Monte Líbano e os Daher de Cheikh Taba. Ela também se expressa nas iniciativas típicas, sempre voltadas para o interesse coletivo, seja no Rio, em São Paulo ou Ipameri: onde houver árabes reunidos, a escola, o hospital e a igreja são prioritários.

Até mesmo os clubes mostram um caráter peculiar: a vontade de preservar a memória dos locais de origem, sempre que haja um número suficiente de conterrâneos da mesma aldeia ou cidade. No caso paulista, não faltam exemplos: Alepo, Homs, Zahle, Marjayoun, Monte Líbano… Isto é natural, se se considerar que mesmo comunidades vizinhas na Síria ou Líbana apresentam frequentemente variações na fala e no cardápio.

Esse conjunto de modos de ser e agir são expressões de uma cultura, quer nas condições requintadas alcançadas pelas colônias carioca ou paulista, quer nas proporções modestas de Ipameri. As diferenças não apagam a noção de pertencer a uma mesma coletividade, o que se mostra em atitudes simétricas: em 1930, Elias Miguel Daher fez sua contribuição para a construção da imponente Catedral Ortodoxa de São Paulo; em sentido inverso, trinta anos depois, D. Corgie Assad Abdalla, uma das grandes damas paulistas, fez a sua doação para a pequena Paróquia Ortodoxa de São João Batista, em Ipameri.

Talvez o traço que os brasileiros reconheçam mais facilmente nos árabes seja a habilidade comercial, a manifestação cultural mais apreciada seja a culinária e a forma de arte mais admirada seja a dança do ventre, mas estes breves comentários salientam atributos mais fundamentais: a determinação e firmeza face a adversidades; a autoconfiança e criatividade em circunstâncias desconhecidas; a afabilidade, generosidade e solidariedade em relação aos semelhantes; o apreço á religião e o apego à educação.

Aspectos mais restritos, eruditos ou refinados da cultura árabe - como a poesia, a literatura e a música - ainda aguardam maior divulgação entre os brasileiros, mas Ipameri mantém com ela um canal de comunicação valioso: a Paróquia de São João Batista da Igreja Ortodoxa Antioquina do Brasil.

A majestosa Catedral Ortodoxa Antioquina de São Paulo, sede do Arquidiocese a que pertencem as paróquias brasileiras. Apenas cinco Estados possuem igrejas antioquinas e em Goiás há três: Goiânia, Anápolis e Ipameri. Isto mostra quanto a comunidade local incorporou manifestações da cultura árabe.